O comuntário e o Pe. Francisco Rieger

Capela Rieger 2

Por Arnildo L. Rockenbach

Após atuar durante 60 anos em sala de aula, além de outras atividades técnico-pedagógicas e cinco anos inativo, considero importante recordar fatos e personagens das origens da vida profissional no magistério e de períodos posteriores. Nessa verdadeira “anamnese”, isto é, atividade de “desesquecer”, ou de recordar, desponta na memória a figura do Padre Francisco Rieger, pároco da paróquia de São Paulo Apóstolo, nas décadas de 1950 e 1960.

O Padre Francisco nasceu na Alemanha. Inicialmente, atuou como construtor, engenheiro, até identificar sua verdadeira vocação: ser sacerdote. Realizou os adequados estudos e a formação religiosa na diocese de Trier, cidade com origem no Império Romano. Na cidade de Trier, foi ordenado presbítero. Após revelar o seu desejo de ser missionário no Brasil, veio ao Rio Grande do Sul, para a Diocese de Uruguaiana. Após um período de adaptação e aprendizado da língua, foi designado pároco da “Colônia Sommer”, atual paróquia de Pirapó. Nessa paróquia, montado em seu cavalo, percorria imensas distâncias pelos campos de criação, ao longo do rio Uruguai, até Garruchos, pertencente àquela paróquia. Em suas atividades pastorais, tendo como modus operandi o comunitário, se destacavam os cuidados com a educação e a saúde das pessoas na comunidade, concretizados através das escolas paroquiais e de hospital comunitário.

Em meados da década de 1950, foi designado pároco da paróquia São Paulo Apóstolo, do atual município de São Paulo das Missões. Na ocasião, a paróquia estava passando por um período muito difícil; dificuldades relacionadas, principalmente, com relacionamentos entre pároco e paroquianos e destes entre si, entre famílias e comunidades. O Padre Francisco, caracterizado como um homem pacífico, um filósofo e um homem de oração, encarou todas as dificuldades com tranquilidade, confiança, oração e trabalho. Para superar questões de relacionamentos, recebia as pessoas, as famílias ou os grupos, escutava-os com respeito e atenção e, sem grandes questionamentos ou debates, encerrava os encontros, dizendo (em alemão, pois a maioria das pessoas assim falava): “Num guht; gehen sie nach hause und betet ein Vater Unser fir sie”. Em Português: “Pois bem; ide para casa e rezai um Pai Nosso por eles (pelas pessoas, pelos grupos familiares, etc.)”. Simultâneo a essas orientações, dispensava atenção especial à formação de casais e famílias, com muita insistência na oração conjugal e oração na família. Eram famosas as homilias (os sermões) que proferia por ocasião das missas de casamento. Os casamentos geralmente ocorriam durante a celebração da missa na qual o padre dedicava, até meia hora, a profunda reflexão sobre o significado da vida conjugal e familiar e à importância da oração conjugal (oração do casal) para construir e manter a família unida e em paz. O padre costumava pregar em alemão e dizia: “… so kennen wier immer tiefer hinein gehen in die Eheliche Liebe… Das eheliche Gebet ist eine Gnade und bringt Gnaden für das Familielebe…”. Em português: “Assim podemos penetrar sempre mais profundamente no amor conjugal … A oração conjugal é uma graça e atrai as graças para a vida familiar …” Em muitas ocasiões, vinham casais de outras paróquias assistir essas celebrações, somente para ouvir a homilia de casamento do Padre Francisco.

Durante os 5 anos de professor paroquial, na Linha Ipê, São Paulo das Missões, os primeiros de minha vida de magistério, tive ocasião de conviver de perto com o Padre Francisco. Mensalmente, por ocasião da visita à comunidade, ele se hospedava durante dois dias na “casa do professor” em que eu morava. Entre as diversas atividades: catequese para as crianças da escola; reuniões com a “Congregação Mariana”, com os jovens da comunidade; conferência com o “Apostolado da Oração”, com os adultos, casais da comunidade; reuniões com a Diretoria da comunidade; celebração da Missa e outras, passávamos longas horas, eu e o Padre Francisco, tomando chimarrão, sentados à sombra de frondoso cinamomo, no pátio da casa e em casa, à noite, conversando sobre questões de Filosofia (dos antigos gregos: Epicuro, Aristóteles, Platão, ou de Nietzsche, Heidegger, etc.) e questões sociais, políticas ou econômicas.

O padre Francisco era muito estudioso e sobretudo, um homem de oração. Ele se deslocava de uma localidade à outra, montado num cavalo ou andando com a “aranha”, puxada por uma égua (a Preta). Durante todo o tempo: ao encilhar o cavalo ou atrelar a égua, deslocava-se de um espaço a outro, rezando jaculatórias (pequenas orações): “Heilisgte Herz Jesu, erbarme dich meiner”. Isto é: Sagrado Coração de Jesus, Tem piedade de mim. Ou “süses Hertz Maria, sei meine Rettung”. Isto é: Doce coração de Maria, sede minha salvação. Em 1962, por ocasião da visita pastoral do bispo Dom Aloísio Lohrscheiter, à comunidade e ouvindo o Padre Francisco rezar assim, o bispo me disse: Professor Arnildo, este padre é um santo. Quem reza assim, até no seu trabalho, é santo…

Na paróquia também dedicou especial atenção à saúde e liderou a comunidade num movimento de construção de um hospital comunitário, posteriormente entregue à Congregação das Irmãs Franciscanas e que continua até hoje na cidade de São Paulo das Missões, prestando serviços à população.

Parte interna da Capela idealizada pelo Pe. Rieger no cemitério de São Paulo das Missões

O padre Francisco dedicava especial devoção “às almas do purgatório”. Nesse sentido, além de orações públicas, celebrava, frequentemente, a santa missa pelas “almas do purgatório” e zelava pela conservação dos cemitérios nas comunidades da paróquia. Em São Paulo das Missões, propôs e liderou um movimento de aquisição de um espaço para construção de um novo cemitério e o translado das pessoas enterradas do antigo e inadequado local para o novo espaço. Neste novo local, fez construir uma bela capela para celebrar a missa e fazer orações específicas. A “Friedhohfscapelle”, como dizia em alemão, ou seja: a capela do cemitério. É nessa capela que o Padre Francisco Rieger repousa, na paz de Deus Pai, desde o seu falecimento.

Em termos de vida social, política e econômica, o Padre Francisco, igualmente se fazia presente. Por exemplo: no grande movimento da emancipação; no movimento de construção da rede elétrica para trazer a energia para a comunidade; no movimento para a construção da rodovia que liga São Paulo das Missões a Campina das Missões, com a ponte sobre o rio Comandaí; na organização de cooperativas; no movimento da FAG: Frente Agrária Gaúcha que culminou com a organização e fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Paulo das Missões, entre outras.

Eu, particularmente, devo muito ao Reverendo Padre Francisco e assim toda comunidade da paróquia e do município de São Paulo das Missões.