Oratório de Nossa Senhora: um ícone da comunidade

Oratório de Nossa Senhora
Por Arnildo L. Rockenbach

É algo inédito no estado do Rio Grande do Sul e, provavelmente no Brasil, o que se encontra na Vila Pinheiro Machado, no Município de São Paulo das Missões: o Oratório De Nossa Senhora. Trata-se de um espaço comunitário, onde se encontra a Igreja da comunidade católica, pertencente à paróquia de São Paulo das Missões, e uma linda edificação que abriga mais de 600 (seiscentas) imagens diferentes de Nossa Senhora, a maioria estatuetas. Trata-se de imagens que representam a Santíssima Virgem Maria, Mãe do Salvador da humanidade, Jesus Cristo e venerada, no mundo inteiro, sob os mais diversos títulos. Desde a imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, passando por Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira da América Latina, imagens da padroeira de cada país da América Latina e imagens dos mais diversos países da Europa, da Ásia e África. Uma preciosa coleção muito bem organizada e distribuída no interior do oratório, com a devida identificação e origem de cada imagem.

   Fotos: Portal das Missões 

Como consta no título, este conjunto: igreja, oratório e coleção de imagens constitui verdadeiro ícone, isto é, imagem da comunidade, uma característica da organização social dos imigrantes dos diversos grupos étnicos que vieram ocupar o espaço geográfico do Noroeste do RS, no início do século XX. Pinheiro Machado faz parte da Gleba de terras, coberta de florestas, que o VOLKSVEREIN, Associação Popular adquiriu de uma empresa europeia que construíra a estrada de ferro de Cruz Salta a Santo Ângelo e recebera a gleba em pagamento dessa construção. Essa Associação, liderada pelo Padre Max Von Lasberg, pároco em Cerro Largo, e pelo engenheiro topógrafo Karl Kulmey, mediu as terras e dividiu-as em lotes de 25 hectares, para vendê-las às famílias de imigrantes provenientes das “colónias velhas”. A gleba de terras estava localizada entre os rios Ijuí, Comandaí, Uruguai e a colônia Guarani. Em direção do rio Comandai, a Associação mediu até o final da atual comunidade de São Paulo das Missões. O restante da Gleba foi colonizado pelo Senador Pinheiro Machado que demarcou como centro a Sede Pinheiro Machado, daí a denominação da atual vila, distrito do Município de São Paulo das Missões.

Os imigrantes que vieram se estabelecer nestas terras de florestas, as adquiram com seus próprios recursos, geralmente financiados pela famosa Caixa Rural, atual SICREDI, sem nenhum outro auxilio por parte do Poder Público, seja governo federal, estadual ou municipal. Em tudo dependiam do próprio esforço, da própria iniciativa e do próprio trabalho. Para superar as inúmeras dificuldades e conseguir sucesso, era fundamental a solidariedade, a cooperação, a ação coletiva, ou seja, o comunitário. É neste momento e nesta circunstância que entra a atuação do líder. Alguém, homem ou mulher, que puxava a frente, que tomava a iniciativa, que propunha planos e projetos, alguém que congregava, que reunia, que entusiasmava, alguém que estendia a mão ao necessitado, alguém que reunia em comunidade. Na Sede Pinheiro Machado, este alguém foi Libório Bohn. O senhor Libório estabeleceu-se, com sua família, na vila com casa de comércio, além de também cultivar sua própria terra. Como nas demais localidades, também as famílias de Pinheiro Machado se organizaram em torno da igreja, escola, clube e cooperativa. É uma forma de organização social onde florescem os valores essenciais: religiosidade (Fé em Deus), Cultura (conhecimento, ciência, arte), Lazer (divertimento, convivência, amizade) e Economia (produção de bens, comercialização, geração de riqueza). É o famoso modelo social “inédito no mundo” desenvolvido nas Reduções Jesuíticas, durante os anos de 1626 a 1750, nesta região do Sul da América.

Na comunidade de Pinheiro Machado, o Senhor Libório Bohn, sempre rodeado pelos demais membros, liderou a organização da comunidade religiosa e da escola (a famosa escola paroquial, inicialmente) e a construção dos prédios para o respectivo desempenho de funções e atividades. Como comerciante que adquiria os produtos agrícolas e os comercializava, Libório prestava auxilio para os membros da comunidade, em momentos de dificuldades, adiantando dinheiro, quitando a contribuição junto à diretoria da comunidade, para depois ser reembolsado pelo sócio que no momento estava em dificuldades. Enfim, aquilo que é próprio de líder agregador, fazia parte da vido do senhor Libório. Além dessa liderança comunitário, ele se fazia presente na política administrativa pública, inicialmente no município de São Luiz Gonzaga e, a partir de 1955, no Município de Cerro Largo. Nos anos de 1963 a 1965 participou ativamente do movimento de emancipação de São Paulo das Missões.

Pois este Senhor Libório Bohn, tem uma filha, a Professora Isolde Bohn, que é a idealizadora, organizadora e administradora do Oratório de Nossa Senhora. Com muita simplicidade, com muito entusiasmo, com muita segurança e consciência do que está narrando e fazendo, a Professora Isolde conta como surgiu esta ideia, o motivo, e como iniciou a organização do Oratório e construção do prédio. A Igreja da comunidade católica estava por completar 50 anos desde sua fundação. Era necessário celebrar o jubileu de ouro e além disso, fazer algo que marcasse, em definitivo, este jubileu. Era necessário iniciar algo que pudesse dar continuidade à vida comunitária, uma vez que a escola fora desativada; o comércio, seja particular ou de cooperativa já não prospera nas pequenas localidades interioranas e estas tendem até a desaparecer. Era necessário algo que mantivesse viva esta comunidade. Foi nessa circunstância que a Professora Isolde, herdeira dos atributos do pai, teve a original ideia de um movimento visando a organização e a edificação deste Oratório de Nossa Senhora. Tomadas todas as providências burocráticas necessárias junto às autoridades civis e religiosas, passou a dedicar-se integralmente à coleta de imagens que representam Nossa Senhora, venerada sob os mais diversos títulos. Para tanto, fez e continua fazendo contatos com inúmeras pessoas e entidades nacionais e internacionais. Assim, recebeu em doação e adquiriu por compra as mais de 600 imagens que atualmente se encontram no Oratório. Para a edificação do prédio contou com a colaboração dos membros da comunidade de acordo com o modelo comunitário de colaboração coletiva.

A tarefa que a Professora Isolde Bohn se propôs, e está levando adiante junto com muitas pessoas da comunidade, está longe de terminar. Muito há por fazer, segundo as palavras dela. Somente os inúmeros contatos com pessoas e entidades nacionais e estrangeiras, pedindo referências, informando a respeito de imagens diferentes, oferecendo doações ou venda de estatuetas, seria suficiente para absorver o tempo da professora. No entanto, ela se dispõe a muito mais. A maneira como eu e minha esposa fomos recebidos, com muita alegria, simplicidade, total disponibilidade para responder as inúmeras perguntas e pedidos de informação histórica, a demonstração de profundo conhecimento e compreensão de questões históricas e comunitárias, são suficientes para comprovar a importância e o significado desse trabalho.

Quanto ao “Caminho do Oratório” que está sendo construído, também sob a liderança da professora Isolde e que já está envolvendo pessoas da comunidade de Pinheiro Machado e da sede – São Paulo das Missões, é uma excelente oportunidade para integração mais plena de toda sociedade neste maravilhoso “Cantão Suíço das Missões”, cognome do Município. As caminhadas e romarias ao Oratório previstas e já acontecendo, poderão constituir um belo movimento religioso, de integração e solidariedade humana que poderá trazer inúmeros benefícios para a sociedade do município e região.