Se consultarmos as pessoas de mais idade, a maioria irá contar sobre as dificuldades enfrentadas na educação, no interior do estado, há mais de 60 anos. São quase unânimes, relatos sobre a ausência de materiais didáticos, livros e até cadernos. Estruturas precárias, muitas vezes improvisadas. Apenas um professor para todas as disciplinas e dificuldade de acesso. As crianças se deslocavam por quilômetros, descalços mesmo em dias gelados e de chuva, para poderem aprender o básico – a maioria estudava somente até a 3ª ou 4ª série, pois precisavam ajudar na lavoura e demais tarefas de casa. Alguns professores eram tão rígidos, que chegavam a usar uma régua para conter os alunos mais agitados. Mas, havia respeito ao professor, considerado uma autoridade em todas as comunidades.
O Almanaque Gaúcho da GZH, assinado pelo Jornalista Leandro Staudt, conta a história do professor Antônio d’Ávila, fundador da primeira escola de Porto Alegre. Com sua cara fechada, o professor colocava medo nos alunos. Ninguém ousaria contrariar o “Amansa-Burros” – apelido que deixava claro o papel do professor diante dos alunos. A expressão “amansa-burro” também é usada para se referir aos dicionários.
No início de 1800, cartazes foram colocados nas esquinas das ruas Formosa (Rua Duque de Caxias) e da Graça (parte da Rua dos Andradas), anunciando a chegado do professor à Porto Alegre, com a grafia da época:
“Antonio d´Avila, recem-chegado a este continente, participa ao publico que vai abrir na rua da Ponte, perto da ponte, uma escola para ensinar a lêr, escrever e contar, e doutrina christã. As pessoas que quizerem se aproveitar do seu prestimo podem trazer os seus filhos para a dita escola”.
A primeira escola regular de Porto Alegre abriu em 8 de janeiro de 1800. Nas décadas anteriores, professores ofereciam suas aulas individuais ou para pequenos grupos. Felicíssimo relatou que o professor d´Ávila apareceu de maneira misteriosa, ninguém sabia a origem. Ele descreveu um homem de “semblante sempre carregado”, fazendo crianças tremerem só com a sua presença.
A escola ficava na Rua da Ponte (Rua Riachuelo), perto da Rua Clara (Rua General João Manoel). Em pouco tempo, atraiu 50 alunos. Na sala principal, ficavam bancos, escrivaninhas e a poltrona do professor. Uma cruz de madeira, pintada de preto, estava na parede. A aula abria às 7h30, mas o “Amansa-Burros” só entrava às 8h.
Só meninos podiam frequentar a escola. Um dos ilustres alunos foi Antônio Álvares Pereira Coruja, o Professor Coruja, que virou grande cronista da cidade no século 19.
Na infância, Professor Coruja foi aluno do “amansa-burros” – Almanak Litterario e Estatistico do RS / Reprodução
Em 1808, de acordo com o Almanak de Porto Alegre, a cidade tinha uma aula de gramática latina e duas escolas de ler e escrever.
Em mais de 200 anos, a educação passou por muitas transformações. O Brasil deixou de ser um país de analfabetos, onde o ensino era um privilégio. O acesso à educação é direito estabelecido pela Constituição. Com raras exceções, crianças e jovens têm o ensino fundamental e o ensino médio garantido pelo poder público. Fica a desejar, o devido suporte didático e estrutural às escolas e ao corpo docente, assim como a reposição salarial da classe.